A estranha intenção de Bruno Lage, com o Botafogo tão bem posicionado, de falar apenas por si

André Kfouri
André Kfouri

Se Bruno Lage disse a verdade quando declarou que “não falei com ninguém” antes de se voluntariar para deixar o Botafogo, conclui-se que a entrevista mais psicodélica da temporada do futebol no Brasil foi uma ideia dele, e de mais ninguém. É preocupante, porém lógico; qualquer pessoa de bom senso o teria convencido a escolher outro tema e, assim, evitar que o ambiente do time que dirige fosse colhido por uma ventania de desconfiança. A parte que preocupa está relacionada aos motivos pelos quais Lage tratou o pós-jogo com o Flamengo de forma tão negligente, sejam eles de natureza estritamente pessoal (mais sobre isso adiante) ou problemas internos que soariam muito surpreendentes, dada a trajetória do líder do Campeonato Brasileiro após 22 rodadas.

A alegação de “libertar os jogadores dessa pressão” é, francamente, estranha. A eliminação para o Defensa y Justicia, na Copa Sul-Americana, foi tratada por uma parte mais vocal da torcida com o tipo de recepção no aeroporto normalmente oferecido a equipes que vencem. E a derrota no clássico, a primeira sofrida pelo Botafogo em seu estádio no campeonato, teve, ao final, aplausos aos jogadores. Em outro trecho de sua fala, Lage mencionou a intenção de impedir que “a pressão que está sendo exercida sobre mim seja exercida sobre meus jogadores”, o que, apesar de contraditório, revela mais detalhes sobre o que estaria causando tanto incômodo. Convém lembrar que foi ele, Lage, quem ouviu críticas a respeito da escalação usada na ida contra os argentinos. E que sua entrevista após o jogo de volta, com a desclassificação consumada, foi caracterizada por reações agressivas a perguntas mundanas que não condizem - as reações, não as perguntas - com o momento do Botafogo.

Ficou no ar, na semana passada e, novamente, no sábado à noite, uma aparente dose de prepotência que pode explicar o arroubo ao melhor estilo “assim não quero mais brincar” do técnico português, arredio aos primeiros sinais negativos e - de novo, aparentemente - mais preocupado com si mesmo do que com a condução do Botafogo a um troféu de valor incalculável. Lage dirigiu na Premier League e é, graças a seu trabalho, um treinador valorizado e promissor. Estar no comando do Botafogo neste ano, com esta campanha e com esta perspectiva histórica, é uma posição que ele poderia tratar com mais liturgia e até mesmo com mais ambição, ao invés de demonstrar um limiar tão baixo de resistência a críticas e apego à oportunidade que se apresenta.

Lage não pode argumentar com surpresa em relação ao nível de exigência, razoável ou não, que encontrou no futebol brasileiro. Mesmo porque a forma como o Botafogo atual, administrado como SAF e com dono americano, trata o cargo de técnico do time lhe oferece muito mais do que a média dos colegas, deixados para trás na classificação por uma vantagem massiva na corrida pelo título. Não é possível garantir, com tantos pontos ainda em jogo, que o Botafogo será campeão brasileiro pela primeira vez desde 1995, mas se pode afirmar que, se não for, a razão terá sido um colapso de proporções colossais. É precisamente para evitar este drama, objetivo que não pede ao Botafogo um desempenho tão bom quanto o que exibiu até agora, que Lage foi trazido para substituir o compatriota Luís Castro.

A única explicação plausível para a breve e problemática entrevista de sábado à noite é uma dessas sacadas ao contrário que, vez por outra, entram para listas infames: uma cartada de um treinador para que se falasse mais dele do que de seu time, e, assim, conseguir alguns dias de proteção aos jogadores. Só que os jogadores do Botafogo não precisam de proteção, mas de confiança e tranquilidade. É uma pena que Lage não tenha conversado com ninguém antes de ir à sala de entrevistas do Nílton Santos. A não ser que sua intenção fosse apenas falar por si.

O português Bruno Lage, técnico do Botafogo
O português Bruno Lage, técnico do Botafogo Buda Mendes/Getty Images
Comentários

A estranha intenção de Bruno Lage, com o Botafogo tão bem posicionado, de falar apenas por si

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

A eliminação pelo alto, uma tendência incômoda

André Kfouri
André Kfouri

A seleção brasileira volta a encontrar um adversário europeu num jogo eliminatório de Copa do Mundo. Desde o título em 2002, na Coreia/Japão, o desfecho foi o mesmo em todas as ocasiões: França em 2006, Holanda em 2010, Alemanha em 2014, Bélgica em 2018. Há algo mais em comum a essas eliminações, a conferir na lista abaixo:

2006 - Henry

2010 - Felipe Melo (contra), Sneijder

2014 - Muller

2018 - Fernandinho (contra)

Todos esses gols foram produtos de jogadas de bola parada. O de Henry saiu de uma cobrança de falta lateral; os demais, após escanteios. E se retornarmos a 1998 e à final no Stade de France, lembraremos dos dois gols de Zidane também em tiros de canto, um de cada lado. Para resumir: gols europeus pelo alto eliminaram o Brasil de cinco dos últimos seis Mundiais.

A evidência está aí. É uma tendência, uma propensão. Mesmo considerando que essas equipes - estamos falando de cinco seleções - eram treinadas por técnicos diferentes, com ideias distintas. Tite emendou duas Copas com uma trajetória indiscutivelmente sólida do ponto de vista defensivo. Desde setembro de 2016, a seleção brasileira tem média de 0,36 gol por jogo, com 13 gols sofridos em jogadas aéreas (9 em lances de bola parada). Um deles foi marcado por Zuber, para a Suíça, na estreia da Copa da Rússia, completando uma cobrança de escanteio.

No Qatar, até agora, foram dois gols: nenhum de bola parada, mas um em cruzamento para a área, finalizado de cabeça, contra Camarões.

A Croácia merece o mais absoluto respeito e todos os cuidados defensivos que um jogo de eliminação exige. 

Não só por ser a seleção vice-campeã do mundo, e independentemente de estar passando por uma mudança de gerações que afeta os jogadores mais influentes do time. Os croatas têm o espírito competidor dos povos balcânicos, que lutam ao máximo nível sem se importar com as circunstâncias, pelo tempo que for necessário. Basta lembrar como alcançaram a decisão em Moscou, após sucessivas prorrogações e disputas de pênaltis.

Convém, também, uma dose extra de concentração em escanteios e faltas próximas à área.

A seleção brasileira postada para a foto oficial antes do jogo contra a Suíça, na Copa do Mundo do Qatar
A seleção brasileira postada para a foto oficial antes do jogo contra a Suíça, na Copa do Mundo do Qatar Julian Finney/Getty Images


 

No Instagram @kfouriandre

Comentários

A eliminação pelo alto, uma tendência incômoda

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

Baila Brasil, a música não vai parar

André Kfouri
André Kfouri

Como acontece em todas as festas, há sempre alguém chorando em meio à alegria. Frequentemente por um motivo tolo, fútil, ou porque exagerou na dose. É aquela pessoa que, no dia seguinte, se converte no assunto de todas as conversas, mas pelos piores motivos. Na celebração de gols do Brasil no estádio 974, a figura obrigatória a marcar a nota triste de uma noite repleta de felicidade foi Roy Keane, ex-jogador, hoje comentarista de televisão na Inglaterra. A seleção brasileira comemorou dançando cada um dos quatro gols sobre a Coreia do Sul, mas Keane preferiu a carta do "desrespeito ao adversário"

Keane, infelizmente, não é uma voz solitária. Um setor significativo do futebol enxerga que dançar após um gol é uma atitude inapropriada. E como geralmente aqueles que surgem sorrindo e se divertindo em coreografias são africanos ou latinos, o passo na direção do preconceito não tarda. O que Keane talvez não saiba é que, desta vez, as coisas estão conectadas. E o que Keane talvez não entenda é que, a cada crítica desinformada, os jogadores que ele acusa de faltar com o respeito ao adversário vão se esmerar ainda mais nesta maneira de se expressar. De exibir o futebol que carregam dentro de si e, no processo, declarar que a música não vai parar.


         
     

Porque foi isso que se tentou fazer há três meses, quando um sujeito que participava de um programa de baixo nível na televisão espanhola se referiu a Vinicius Júnior da seguinte forma: "Você tem que respeitar o adversário. Quando você faz um gol, se quer dançar, que vá ao sambódromo no Brasil. Aqui o que você tem que fazer é respeitar os companheiros de profissão, e deixar de fazer macaquices". 

O ataque com evidente munição racista gerou mais do que as costumeiras reprovações momentâneas. Na Espanha, na França e na Inglaterra, jogadores brasileiros se manifestaram em defesa de Vinicius com mensagens em redes sociais, num movimento que ficou conhecido como "Baila Vini". Alguns destes jogadores, como Gabriel Jesus, Richarlison e Neymar, se reuniram na seleção brasileira para disputar a Copa do Mundo, e as coreografias combinadas para celebrar gols - são mais de dez, dizem - se transformaram, também, em demonstrações de união e resistência.

Qualquer pessoa que já fez parte de um grupo com objetivo comum é capaz de entender o que algo dessa natureza significa. Um ambiente de harmonia e cumplicidade não garante o sucesso, mas certamente elimina elementos que podem inviabilizá-lo. Como um técnico deveria se comportar diante de uma dinâmica que colabora diretamente para a coesão do grupo que dirige? Ora, alimentando-a. 

Tite havia prometido participar, e, após Richarlison assinar o belíssimo terceiro gol contra os coreanos, correu para se colocar ao lado do técnico à frente do banco. Tratava-se, literalmente, de um convite para dançar. E Tite dançou com a seleção, para horror de Roy Keane e de quem não se interessa por compreender não só a essência do futebol jogado por brasileiros, mas a essência do jogador brasileiro de futebol.

Não se sabe até onde o Brasil irá neste Mundial, mas os futebolistas que dançam para comemorar gols seguirão marcando e dançando. Eles estão dizendo que não vão parar. A música não vai parar, embora sempre haja quem prefira chorar.

Tite e Richarlison fazem a dança do pombo em Brasil x Coreia do Sul, pela Copa do Mundo do Qatar
Tite e Richarlison fazem a dança do pombo em Brasil x Coreia do Sul, pela Copa do Mundo do Qatar Getty Images

 

No Instagram @kfouriandre

Comentários

Baila Brasil, a música não vai parar

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

Brasil 4 x 1 Coreia do Sul

André Kfouri
André Kfouri

1 - Neymar de volta, e titular. Como confirmação do prazo inicial para o retorno ao time, tudo ok. Questionar se o Brasil realmente precisa de seu melhor jogador para vencer a Coreia é infantilizar a Copa do Mundo. Como medida de emergência, em resposta ao clima criado desde que os reservas da seleção perderam para Camarões num contra-ataque nos acréscimos, aí a conversa muda. Que seja o primeiro caso, e que termine bem.

2 - E bastou uma chegada ao fundo, em movimento de Raphinha, para as coisas se assentarem. O passe para trás chegou a Vinicius, que observava o lance sem ser notado pela zaga coreana. O espaço ele já tinha, o tempo lhe foi presenteado. 1 x 0, 7 minutos.

3 - A primeira bola dividida de Neymar mostrou uma preocupação óbvia, que vai acompanhá-lo daqui em diante. Antes da chegada das travas de Cho Gue-sung, o brasileiro pulou para evitar um choque no tornozelo direito. Mais do que jogar, Neymar precisa iludir. É um expediente que se confronta com a natureza de seu jogo, mas uma necessidade.

4 - Grande ação de Richarlison na área da Coreia, intrometendo-se para atormentar e tentar o desarme. Derrubado por Jung Too-Young, ele deu ao Brasil a chance de abrir dois gols de vantagem antes que o público se sentasse no estádio 974.

5 - Neymar: 2 x 0, 13 minutos.

6 - Não era imaginável um começo mais tranquilizador, também porque a Coreia, desorientada desde o início, ainda precisaria de um tempo razoável para começar a competir. Caberia, já, a questão sobre uma eventual substituição de Neymar.

7 - Sem querer conter a euforia de ninguém, o grande lance do Brasil no jogo foi a combinação para o terceiro gol, de Richarlison. Começou com uma alegoria dele, controlando a bola de cabeça. A sequência foi rápida e brutal, devolvendo a bola a quem iniciou o lance. Richarlison, Marquinhos, Thiago Silva e de novo Richarlison, entrando na área como terceiro homem. Goleada estabelecida antes dos 30 minutos.

8 - Detalhe para os dois zagueiros envolvidos na arquitetura do gol.

9 - Na "Copa dos pontas", a seleção mostrou os dela. Raphinha no primeiro gol, Vinicius no quarto. A bola erguida na área talvez tivesse outro endereço, mas se ofereceu para Paquetá. De pé direito, ele mandou para a rede e foi comemorar. O jogo não estava na metade e já não havia dúvida sobre o vencedor. Deixar Neymar em campo - e Danilo também - era necessário?

10 - O estádio 974 será desmontado nesta terça-feira, a demolição começou um dia antes. Ao descanso, se estivesse 6 x 0, não seria um exagero. 

11 - Brasil sem alterações para o segundo tempo. Jogo sem alterações por um longo tempo, exceto pelo desejo visível - e compreensível - de Raphinha de fazer seu gol.

12 - A tranquilidade deu a Tite a dica para tratar de renovar o time, para poupar quem precisa e manter o Brasil em bom nível no restante do jogo. A Croácia, adversária de sexta-feira, teve de jogar uma prorrogação e ainda passar pelos pênaltis. Vencer a Coreia não era mais o objetivo, mas sim chegar bem às quartas de final. Dani Alves (Militão), Bremer (Danilo) e Martinelli (Vinicius) em campo.

13 - A Coreia fez um gol, e foi bonito. Chutaço de Paik Seungho, de fora da área. 

14 - Até Weverton entrou, para ter uma camisa de Copa do Mundo em sua coleção. E Neymar (substituído por Rodrygo), enfim, foi descansar no minuto 81. Duas mexidas com cara de fim de jogo, obrigado e até a próxima. A derrota dos reservas para Camarões foi... apenas isso. Esta vitória deve ser encarada com sobriedade.

e 15 - Croácia, sexta-feira, 12h.

Vinicius Jr., Raphinha, Lucas Paquetá e Neymar (da esq. para a dir.) celebram durante Brasil x Coreia do Sul, na Copa do Mundo do Qatar
Vinicius Jr., Raphinha, Lucas Paquetá e Neymar (da esq. para a dir.) celebram durante Brasil x Coreia do Sul, na Copa do Mundo do Qatar Getty Images


 

No Instagram @kfouriandre

Comentários

Brasil 4 x 1 Coreia do Sul

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

França, Inglaterra e o primeiro gol

André Kfouri
André Kfouri

Enquanto Kylian Mbappé segue aparecendo em telas com estatísticas de Copa do Mundo em que consta o nome de Pelé - toda força ao Rei, hoje e sempre, mas especialmente hoje -, a França chega às quartas de final com autoridade de campeã. Devastada no período pré-Copa por lesões em jogadores indiscutíveis, o time dirigido por Didier Deschamps, incrivelmente, tem momentos até melhores do que em 2018. Isto não significa dizer que figuras como Pogba, Kanté e Benzema não sejam ausências sentidas. Ocorre que técnicos só podem trabalhar com o que têm, e Deschamps está aproveitando ao máximo a qualidade de Griezmann, Giroud e, claro, a besta colossal que neste domingo assumiu a artilharia da Copa do Catar (5 gols) e já tem 9 gols em duas edições.

Contra a Polônia, os franceses voltaram a ludibriar um adversário fazendo-o imaginar que o jogo estava equilibrado, permitindo que se sentisse otimista em relação às próprias possibilidades. Hugo Lloris até trabalhou, mas Mbappé logo encontrou Olivier Giroud dentro da área, e, a partir daquele instante, os poloneses foram obrigados a sentir o que acontece quando se oferece gramado para um búfalo correr. Mbappé é incontrolável, e não está sozinho. Giroud tem mostrado altíssimo nível e Griezmann é um formidável trabalhador para o sucesso coletivo.

FRANÇA 3 x 1 POLÔNIA: ASSISTA PELA ESPN NO STAR+ AO COMPACTO DO JOGO COM NARRAÇÃO DE PAULO ANDRADE E COMENTÁRIOS DE STÉPHANE DARMANI

A imagem de Mbappé acelerando pelo lado do campo é algo para assustar um defensor por noites a fio, mas os pontas ingleses também já produziram conteúdo semelhante nesta Copa. A classificação da Inglaterra contra Senegal se deu via importantes contribuições de Phil Foden e Bukayo Saka, numa exibição (quase) completa da equipe de Gareth Southgate. O quase fica por conta do período de cerca de 38 minutos sem gols, em que Senegal chegou a ameaçar. Quando Jordan Henderson fez 1 x 0, a Inglaterra se viu no plano que mais a favorece: com espaço para tocar e esbanjar a qualidade de seus atacantes. Kane, finalmente, e Saka, completaram belos movimentos para gols. E Jude Bellingham apresentou mais argumentos para ser coroado o melhor jovem deste Mundial.

Desde a derrota na final da Eurocopa em casa para a Itália, Southgate tem sido pressionado pela exigente crítica de seu país por causa de escalações que negam protagonismo ao potencial ofensivo do elenco. A juventude e o talento de Bellingham (19), Saka (21) e Foden (22) ilustram o que a seleção inglesa pode ser quando acredita em seu jogo.

França e Inglaterra é um encontro que pode ser decidido por um gol. Não que esta seja a diferença final. É que ambas se sentem muito bem em vantagem, quando o oponente precisa se mexer - ainda mais num jogo eliminatório - e se abrir a riscos. Quem conseguir movimentar o placar primeiro, o que pode acontecer até pelo balanço da sorte e do azar, estará muito perto das semifinais.

Mbappé anotou dois gols e deu uma assistência na vitória da França sobre a Polônia nas oitavas de final da Copa do Mundo do Qatar
Mbappé anotou dois gols e deu uma assistência na vitória da França sobre a Polônia nas oitavas de final da Copa do Mundo do Qatar Francois Nel/Getty Images

 

No Instagram @kfouriandre

Comentários

França, Inglaterra e o primeiro gol

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

Argentina x Holanda, de novo

André Kfouri
André Kfouri

A Holanda fez três gols nos Estados Unidos. Dois com passes da linha de fundo para a marca do pênalti, em jogadas do lado direito concluídas pelo lado oposto chegando por dentro; e um com passe de um "lateral" para o outro. Clássica Holanda, clássico van Gaal, classificados para as quartas de final

Louis van Gaal vive um conflito duradouro com a visão de que a seleção holandesa deve jogar em obediência a parâmetros indiscutíveis. Foi assim em 2014, quando conduziu o país ao terceiro lugar, e, aparentemente, é assim no Catar, a julgar pelos debates durante entrevistas nas quais ele tem defendido seu sistema e discordado de perguntas que expressam críticas ao desempenho do time.


         
     

Como toda figura pública de personalidade forte e convicta das próprias ideias, van Gaal gera simpatia e antipatia gratuitas em medidas semelhantes, o que resulta, frequentemente, em opiniões "contaminadas" por essas sensações. A importância de sua trajetória como homem do futebol, por óbvio, não está em discussão. E como treinador, seu amor pelo jogo - 71 anos, enfrentando um agressivo câncer de próstata, trabalhando, vencendo e sorrindo - é um exemplo. Ele continua sendo um estrategista de primeiríssima linha, capaz de convencer futebolistas de todas as idades a seguí-lo com fé inabalável, porque veem acontecer em campo o que foi desenhado na véspera. Os três gols da vitória sobre os americanos compõem a evidência mais recente.

Na sexta-feira, Holanda e Argentina se reencontram na Copa do Mundo, evocando a final de 1978, o maravilhoso gol de Bergkamp em Marselha, o gol que Mascherano salvou no último minuto em Itaquera. Contra a Austrália, Messi fez mais do que um gol para classificar os argentinos. Sua atuação no segundo tempo foi para enquadrar, embora o jogo tenha se tornado excessivamente tenso no final, após o gol australiano num chute que desviou.

Observe os dois últimos gols de Messi: contra o México e neste sábado. Duas finalizações em que as possibilidades da bola passar eram pequenas, e ambas, especialmente a de hoje, foram um passe para a rede. Uma das explicações mais notáveis para a grandeza de Messi é a frequência com a qual ele faz coisas difíceis parecerem rotineiras. Sem Messi, a Argentina não estaria mais no Catar. Com ele, há razões para seguir andando sobre uma finíssima linha entre a euforia e a desesperança, e sonhando.

Argentina x Holanda é jogo dos grandes. Uma pena que seja o fim da Copa para van Gaal ou Messi.

Lionel Messi aplaude torcida da Argentina após classificação às quartas de final da Copa do Mundo
Lionel Messi aplaude torcida da Argentina após classificação às quartas de final da Copa do Mundo Getty Images

 

No Instagram @kfouriandre

Comentários

Argentina x Holanda, de novo

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

11 observações de Brasil 0 x 1 Camarões na Copa do Mundo do Qatar

André Kfouri
André Kfouri

1 - Um time inteiramente composto por jogadores suplentes, fato inédito na história das participações brasileiras em Copas do Mundo. E a terceira formação seguida que Tite manda a campo sem teste em competição. Na Copa dos ajustes e do manejo das pernas, a seleção brasileira mostrou sua fartura.

2 - Na montagem tradicional em 4-2-3-1, os jogadores escalados à frente de Fred e Fabinho foram Antony, Rodrygo, Martinelli e Jesus. Leveza e talento que não se encontram em outra equipe. Detalhe: são os reservas.

CAMARÕES 1 x 0 BRASIL: ASSISTA PELA ESPN NO STAR+ AO COMPACTO DO JOGO COM NARRAÇÃO DE NIVALDO PRIETO E COMENTÁRIOS DE PAULO CALÇADE

3 - Em termos de dinâmica, nada diferente do que se imaginava: Brasil com a bola e a iniciativa; Camarões com o espaço e a tenacidade. No bonito passe pelo alto de Fred, Martinelli levantou o público com um cabeceio perigoso, que Epassy defendeu.

4 - O Brasil jogou de azul, mas Camarões prefere o amarelo. Antony e Rodrygo - duas vezes - sofreram duras faltas por trás que obrigaram o árbitro a mostrar cartões para os dois laterais, Fai e Tolo. Com defensores já de aviso prévio após 35 minutos, controlar os atacantes brasileiros pelos lados do campo ficou ainda mais complicado.

5 - Sem os automatismos das equipes que se conhecem, a seleção atacou mais com suas virtudes individuais. Rodrygo e Martinelli, em especial, exigiram atenção da defesa camaronesa, combinando boa leitura de jogo e muita aceleração. Mas foi do outro lado do campo que a ocasião de maior perigo aconteceu: cruzamento da esquerda, dois defensores brasileiros por muito pouco não tocaram na bola que chegou a Mbeumo para um bom cabeceio no chão. Ederson espalmou uma rara finalização certa contra o gol do Brasil, a primeira nesta Copa.

6 - Má notícia no início do segundo tempo: Alex Telles se machucou num choque com Anguissa e não pôde seguir em campo. Telles é reserva de Alex Sandro, fora do jogo por lesão no quadril... Tite aproveitou para mexer em três posições, fazendo Marquinhos (Telles) e Everton Ribeiro (Rodrygo) estrearem no Mundial, e dando mais uma oportunidade a Bruno Guimarães (Fred). Um pouco mais tarde, Pedro também debutou, entrando no lugar de Gabriel Jesus.

7 - Camarões nunca contestou o domínio brasileiro, optando por tentar aproveitar um erro do time que tinha mais a bola e, por natureza, era mais ofensivo. O Brasil reunia vários jogadores para atacar e tramava perto da área, sempre deixando a impressão de que bastava um movimento preciso para finalmente chegar ao gol. O problema é que esse movimento não se completava. A presença de Pedro, um desses jogadores que "chamam" o gol, era um atrativo a mais quando o jogo chegou ao trecho final.

8 - Raphinha substituiu Antony e não custou a aparecer em boa jogada pela direita, pedalando e procurando Bruno Guimarães com um passe para trás. A rotação dos atacantes de lado é uma força desta seleção e um perigo permanente para os adversários.

9 - Camarões, por falta de alternativas, cansaço, ou ambos, se partiu em dois times nos últimos minutos. O Brasil ocupou os espaços para continuar atacando, por vezes chegando à área com opções a escolher, mas o gol que faria justiça à história do jogo teimava em não sair.

10 - E eis que num contra-ataque, nos acréscimos, um cruzamento da direita encontrou Aboubakar (expulso pelo segundo amarelo por tirar a camisa na comemoração) entre Bremer e Militão. Ederson não pôde fazer nada para defender o cabeceio, e o Brasil ficou a um gol da Suíça contra a Sérvia de perder o primeiro lugar do grupo. O encerramento da fase de grupos teve, de fato, muitos resultados surpreendentes. Este foi mais um, com a diferença por ter sido um acidente do futebol, como já se viu tantas vezes.

e 11 - Segunda-feira, Coreia do Sul, 16h. Com os titulares, claro.

Jogadores do Brasil conversam com Tite durante o jogo contra Camarões, na Copa do Mundo do Qatar
Jogadores do Brasil conversam com Tite durante o jogo contra Camarões, na Copa do Mundo do Qatar Robbie Jay BarrattGetty Images



 

No Instagram @kfouriandre

Comentários

11 observações de Brasil 0 x 1 Camarões na Copa do Mundo do Qatar

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

O Japão sorri em um dia de loucura na Copa

André Kfouri
André Kfouri

Há eventos que merecem ser analisados com algum distanciamento, para aumentar a chance de compreensão. Não existe nada como o calor do futebol e a imprevisibilidade de uma rodada dupla em que todos os times podem seguir ou voltar para casa, mas este 01 de dezembro de 2022 ficará na história das copas do mundo como um dia inconcebível, e quanto mais o tempo passar, menor será a possibilidade de explicá-lo.

No dia do sorteio das chaves da Copa do Mundo do Qatar, se alguém dissesse que o Japão venceria Alemanha e Espanha, seria percebido como um lunático. E se adicionasse que os japoneses seriam derrotados pelo outro adversário do grupo E, a Costa Rica, nunca mais seria levado a sério. Não apenas foi exatamente isso que aconteceu, como, por alguns poucos minutos de absoluta loucura, as duas seleções europeias, favoritas às oitavas de final, se viram eliminadas no terceiro jogo. Não é normal, nem mesmo para os padrões de humor e sarcasmo dos deuses que governam este jogo.

JAPÃO 2 x 1 ESPANHA: ASSISTA PELA ESPN NO STAR+ AO COMPACTO DO JOGO COM NARRAÇÃO DE CLEDI OLIVEIRA E COMENTÁRIOS DE MÁRIO MARRA

Para resumir a insanidade: a Espanha perdeu, mas eliminou o time cuja vitória só serviu para classificá-la.

O segundo tempo espanhol foi tenebroso. Os registros de posicionamento médio do time que, nas duas primeiras rodadas, caracterizou-se pela coragem e pela tomada de riscos, mostram uma equipe determinada a especular nas regiões intermediárias do campo, o que não fez nem enquanto goleava a Costa Rica ou após sofrer o empate dos alemães. Uma atuação difícil de entender, pelo comportamento oposto ao que é a identidade coletiva do time. Nos minutos finais, foi como se a Espanha se prestasse a defender o resultado de 1 x 2, tal a passividade com que tratou a iminência da derrota. O Japão foi capaz de ganhar com ínfimos 16% de posse, o menor índice de uma equipe vencedora na história da Copa do Mundo.


         
     

Como se sabe, os espanhóis se classificaram em segundo lugar, tomando uma rota que evita um encontro com a seleção brasileira nas semifinais. O caminho dos espanhóis agora tem Marrocos, talvez Portugal, com França ou Inglaterra mais adiante. Há quem veja melhores possibilidades contra essas equipes do que diante de Croácia e Brasil, ignorando as evidentes dificuldades do time de Luis Enrique ao enfrentar adversários que se fecham e correm. 

Quanto à Alemanha, a segunda eliminação seguida na fase de grupos mostra uma seleção sem rumo desde a glória no Maracanã, em 2014. É irônico que a seleção do país de onde vêm os técnicos que reformularam a maneira como times pressionam não seja uma intérprete competente desta ideia, e se veja num momento semelhante ao pós-Mundial de 2002, quando a derrota para o Brasil de Ronaldo e Rivaldo, na final, desencadeou uma série de reformas estruturais no futebol alemão.

O Japão não deve se desculpar por nada, nem mesmo pela dúvida sobre a jogada do gol de Tanaka, mais tarde esclarecida pela imagem que comprova que um mísero percentual da bola - que é redonda - estava sobre a linha de fundo no instante do toque para trás. As surpreendentes viradas sobre Alemanha e Espanha apresentaram uma seleção que se lança ao propósito quando parece destinada a se resignar pela inferioridade técnica, algo que o esporte em geral, e o futebol em particular, por vezes recompensa com o impensável.

Jogadores do Japão comemorando a classificação às oitavas da Copa do Mundo do Qatar após vitória sobre a Espanha
Jogadores do Japão comemorando a classificação às oitavas da Copa do Mundo do Qatar após vitória sobre a Espanha Patrick Smith - FIFA/FIFA via Getty Imag

 

No Instagram @kfouriandre

Comentários

O Japão sorri em um dia de loucura na Copa

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

Os argentinos já estavam no Qatar; a Argentina finalmente chegou

André Kfouri
André Kfouri

Os poloneses encaram a Copa do Mundo de uma forma bem particular. A primeira rodada da fase de grupos é o jogo da esperança; a segunda rodada, invariavelmente, é o jogo da sobrevivência; e a terceira, porque a esperança acabou e a sobrevivência não foi alcançada, é o jogo da dignidade. A Copa do Catar trouxe uma novidade, ou melhor, trouxe duas. A primeira e mais importante é que a Polônia sobreviveu e estará nas oitavas de final. A segunda é que o encontro com a Argentina não foi o jogo da dignidade, mas o jogo do aprendizado. Coube ao time de Szczesny e Lewandowski cursar uma clínica de futebol cuja teoria é dispensável diante de uma prática tão eloquente. Na rodada final da fase de grupos, a Argentina que se esperava finalmente chegou a Doha.

Já era hora. Na histórica derrota para os sauditas e na angustiante vitória sobre o México, a Argentina não foi capaz de se parecer com o time que quase quebrou o recorde de invencibilidade entre seleções. A camisa estava lá, as figuras também, e só. O jogo? O jogo tinha ficado esquecido em algum lugar da memória desses futebolistas que, obrigados a vencer a Polônia para não se preocuparem com a partida entre México e Arábia Saudita, dominaram 67% da posse, com 13 a 0 em finalizações certas. A partida terminou em 2 x 0 porque Szczesny teve uma das atuações de sua vida e Messi, embora bastante envolvido na elaboração, não exibiu o brilho costumeiro e desperdiçou um pênalti - muito, muito mal marcado - no primeiro tempo.

O segundo gol, assinado por um Julián Álvarez que não deve mais sair do time, ilustra os níveis de domínio, capacidade de circulação e finalização de movimentos. A Argentina fez a bola correr em todas as direções, com 37 passes conduzindo ao chute de dentro da área que entrou no canto esquerdo alto do goleiro polonês. Paciência para desorganizar a defesa, precisão para marcar os tempos, talento para acelerar e concluir. Os últimos passes lembraram uma jogada de handebol, com a bola indo para os lados e voltando, até Enzo Fernández encontrar o espaço para avançar e acionar Álvarez como se fosse um pivô. A argentina que abre o campo e se movimenta, que esconde a bola do adversário e é uma ameaça constante enfim se apresentou.

Pode parecer estranho celebrar um lugar nas oitavas de final, ou uma atuação específica que tenha deixado a impressão - precoce, talvez, dada a instabilidade que caracteriza a campanha argentina até agora no Mundial - de que os jogadores se reconciliaram com seu próprio futebol. Afinal, a seleção argentina veio ao Catar para fazer muito mais do que isso. Mas a atuação e a vitória desta quarta-feira já podem ser mais do que isso. Se a noite representou o retorno a um lugar em que estes jogadores se sentem em casa, é provável que tenham reencontrado a faísca de que necessitam para sonhar. Como a Polônia descobriu, não é agradável ter de enfrentar um time assim.

Messi comemora classificação da Argentina às oitavas de final da Copa do Mundo
Messi comemora classificação da Argentina às oitavas de final da Copa do Mundo Stefan Matzke - sampics/Corbis via Getty


 

No Instagram @kfouriandre

Comentários

Os argentinos já estavam no Qatar; a Argentina finalmente chegou

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

Num Brasil sem Neymar, Rodrygo tem que jogar

André Kfouri
André Kfouri

O mapa de passes da seleção brasileira no jogo contra a Suíça mostra uma atuação cautelosa, de um time permanentemente preocupado em não perder a bola em zonas sensíveis e, quando desarmado, mantendo jogadores suficientes para proteger a área de Alisson. O líder em passes foi Marquinhos, com Vinicius Júnior como a figura mais acionada quando o Brasil tentou progredir. Considerando as poucas chances criadas enquanto o 0 x 0 prevalecia, e que o gol decisivo foi marcado por um volante projetado na área, recebendo a assistência de um meia, fica evidente que a seleção se ressentiu da ausência de seu jogador mais capaz de desrespeitar roteiros. Sem ter de prestar atenção em Neymar, os suíços escalaram um jogador - Rieder - para cortar os circuitos com Vinicius Júnior e foram à luta.

A entrada de Rodrygo, no papel principal, não só deu ao Brasil um jogador com uma queda para o imprevisível - os adversários do Real Madrid nas fases decisivas da última edição da Liga dos Campeões podem dissertar sobre o tema -, como obrigou a Suíça a dividir seu foco. A jogada do gol ter sido construída do lado esquerdo, por três jogadores do mesmo clube, não foi um acaso. A parceria Rodrygo-Vinicius talvez carregue o maior potencial de dano ao adversário de um Brasil sem Neymar, motivo pelo qual a permanência do ex-santista no time faz sentido tanto no período de espera pela volta do craque do time, quanto na eventualidade de Neymar, pós-lesão, não conseguir ser a ameaça que se espera dele.

BRASIL 1 x 0 SUÍÇA: ASSISTA PELA ESPN NO STAR+ AO COMPACTO DO JOGO COM NARRAÇÃO DE PAULO ANDRADE E COMENTÁRIOS DE MÁRIO MARRA

A escalação inicial dessa segunda-feira (28) foi um passo atrás de Tite, que investiu primeiro na solidez que tem garantido a limpeza do uniforme de Alisson, e depois na crença de que o sistema geraria uma vantagem no placar. Embora seja uma combinação adequada para um torneio curto, a seleção tem mais a oferecer. Há ainda o argumento de que passar de uma ideia conservadora a uma postura mais afeita ao risco é menos problemático do que o inverso. Ok, ocorre que, saudável, Neymar é titular com qualquer planejamento, de modo que um cover de Neymar, por lógica, também deveria ser. Rodrygo tem que jogar.

Compreende-se a confiança no retorno de Neymar, do ponto de vista clínico e de desempenho. Mas não há garantias. O Brasil conhece, infelizmente, um Neymar incapaz de ser si mesmo, mas que permanece tentando. É o jogador que o mundo viu na Copa de 2018. Se a recuperação for completa, a comissão técnica da seleção terá um problema a menos para contemplar e os adversários, um problema a mais. Se não for, Rodrygo  é a solução. 

Rodrygo em ação pela seleção na partida contra a Suíça
Rodrygo em ação pela seleção na partida contra a Suíça Getty Images


 

No Instagram @kfouriandre

Comentários

Num Brasil sem Neymar, Rodrygo tem que jogar

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

10 observações de Brasil 1 x 0 Suíça na Copa do Mundo do Qatar

André Kfouri
André Kfouri

1 - Entre repetir o sistema da estreia na Copa do Mundo do Qatar e reforçar o meio de campo, Tite fez as duas coisas. Recuperou a parceria Casemiro-Fred e adiantou Paquetá para o papel de Neymar, ausente. Mais músculo no centro do campo para cuidar de Remo Freuler e Granit Xhaka, mantendo o ataque do Brasil com dois pontas para atormentar a defesa da Suíça.

2 - Os primeiros 20 minutos foram dos suíços, que nada fizeram ofensivamente, mas conseguiram travar o jogo por dentro. O Brasil não sofria, mas não jogava, incapaz de fazer a bola chegar com vantagem aos jogadores que desequilibram. Não era uma dificuldade inesperada, assim como não é inteligente ter pressa para desatar jogos assim. A seleção deveria ter mais volume, sem dúvida.

BRASIL 1 x 0 SUÍÇA: ASSISTA PELA ESPN NO STAR+ AO COMPACTO DO JOGO COM NARRAÇÃO DE PAULO ANDRADE E COMENTÁRIOS DE MÁRIO MARRA

3 - A primeira ocasião já poderia ter mexido no placar, mas esbarrou numa finalização defeituosa de Vinicius Júnior. De um ponta ao outro, o lançamento de Raphinha encontrou a estrela do Real Madrid desmarcada diante do gol. Era uma questão de pegar firme na bola e comemorar. Chance perdida e lamentada.

4 - O jogo pedia o que o Brasil não tinha no gramado: o lance imprevisível, que desmonta sistemas fechados em efeito dominó. Os problemas para acionar Vinicius Júnior - um dos objetivos da entrada de Fabian Rieder - eram sérios e evidentes, resultado direto da perda de Neymar. Tite mandou Rodrygo ao aquecimento antes do término do primeiro tempo. 

5 - Rodrygo não é o novo Neymar, mas, nesta noite de Copa contra a Suíça, a esperança era exatamente essa. Além dos atributos para a função, o ex-santista parece ser o tipo de jogador dotado do talento que não se ensina para tornar o nada em algo. 

6 - O gol de Vinicius Júnior - corretamente anulado por impedimento de Richarlison - mostrou do que a Suíça tinha tanto medo. Uma jogada acidentada em que nada saiu como o planejado até o passe de Casemiro, que, por um instante, lançou Vinicius em vantagem contra seu marcador. O gol não contou, mas mostrou o caminho.

7 - Bruno Guimarães já estava em campo, no lugar de Fred. Quando Tite sacou Richarlison e Raphinha, por Gabriel Jesus e Antony, o Brasil jogava instalado na metade suíça do gramado, procurando por onde fazer a bola entrar. Quinze minutos, mais os generosos acréscimos da Fifa, por jogar.

8 - Num aspecto, o segundo tempo era um pouco melhor do que o primeiro. O Brasil corria mais riscos, e a Suíça claramente percebia. Mas seguia o ataque x defesa que dá nos nervos pela insistência que nunca é premiada, seja por falta de sorte ou competência.

9 - Ou quase nunca. Na trama de Vinicius Júnior com Rodrygo (relação promissora), o leve toque para dentro da área buscou o jogador que talvez fosse o menos equipado para uma finalização cirúrgica. Mas Casemiro é quem é, também, por contribuições formidáveis como o chute que tinha o gol estampado desde que partiu. O replay flagrou um leve desvio no traseiro de Akanji, que pode ter sido decisivo para congelar o goleiro Sommer. É o risco de quem opta por tentar a sorte se defendendo assim. A bola acaba encontrando seu destino.

10 - Chances desperdiçadas no trecho final, a principal delas por Rodrygo, travado no último instante. Jogos assim são lutas. A seleção poderia ter feito tudo um pouco melhor, mas está classificada e segue aguardando por Neymar.


A seleção brasileira postada para a foto oficial antes do jogo contra a Suíça, na Copa do Mundo do Qatar
A seleção brasileira postada para a foto oficial antes do jogo contra a Suíça, na Copa do Mundo do Qatar Julian Finney/Getty Images


 

No Instagram @kfouriandre

Comentários

10 observações de Brasil 1 x 0 Suíça na Copa do Mundo do Qatar

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

As purezas e falsidades de um centroavante

André Kfouri
André Kfouri

Em uma aparição recente no Twitch para conversar com um público cada vez maior - e, enquanto isso, proteger uma seleção repleta de jovens experimentando a primeira Copa do Mundo -, Luis Enrique foi questionado sobre suas escolhas para o ataque do time. A um torcedor que queria saber se a Espanha estrearia no Mundial "jogando sem um '9 puro'", o técnico respondeu da seguinte forma: "Nós não jogamos com um 'falso 9', nós jogamos com 'um 9' (...) jogue quem jogue, deve ocupar a mesma zona. O que acontece é que o perfil de cada jogador é diferente". 

Há algum tempo se convencionou chamar de "falso 9" todo e qualquer jogador escalado na função central do ataque que não se assemelhe a um centroavante "clássico": o tipo que costuma habitar a grande área do adversário, se move pouco e tem como papel primordial concluir movimentos ofensivos. Como a este perfil se associou a figura de um atacante alto e de cintura mais rígida, aqueles que não se encaixam na descrição recebem, automaticamente, a etiqueta de falsificação.

Luis Enrique levou sete jogadores de ataque ao Catar e apenas um, Álvaro Morata, exibe os atributos físicos de um "9 puro". Mas o que determina a "denominação de origem" de um centroavante é a região do campo que ele ocupa, e, tão importante quanto, como dialoga com seus companheiros e adversários dentro de um modelo de jogo. O 9 falso pode ser qualquer jogador que não se comporte como o centroavante clássico, incluindo um centroavante visto como clássico, porém adaptado a um papel diferente. A questão, claro, é que certos perfis estão mais aptos a uma ou a outra função.

No jogaço contra a Alemanha, praticamente um encontro de mata-mata na segunda rodada da fase de grupos, Marco Asensio foi a escolha de Luis Enrique para o papel, no dizer dos espanhóis, de delantero-centro. Ocorre que o jogador do Real Madrid, meia-atacante ou ponta em seu clube, foi tudo menos "um 9". Os registros de sua ocupação do campo exibem toques na bola por todas as regiões, com leve preferência pelo lado esquerdo do ataque, provavelmente para se associar com Jordi Alba e Dani Olmo. Em especial no primeiro tempo, a Espanha impôs seu jogo de posse e circulação com uma tremenda compostura diante dos alemães, expediente em que as andanças de Asensio foram cruciais para confundir as referências de posição dos defensores alemães. Por mais que Luis Enrique insista em "9s de perfis diferentes", custa não enxergar o trabalho de Asensio, ao menos na maior parte do tempo, como o de um centroavante falso no 1 x 1 deste domingo.

Quando Morata entrou no lugar de Ferran Torres, Asensio passou à direita e a Espanha começou a ameaçar com o tipo de movimento direto para dentro da área que, talvez, apenas o centroavante do Atlético de Madrid tenha o costume de fazer no elenco espanhol. O gol que deixou a Alemanha a um passo do precipício teve a autoria de um "9 puro", o que, de fato, Morata é. Como também é Niclas Fullkrug, a carta que Hans Flick lançou para empatar o jogo, resultado merecido pela tenacidade alemã quando em desvantagem, com destaque para o dinamismo de Musiala e Sané.

Sané, Carvajal e outros jogadores de Espanha e Alemanha disputam bola
Sané, Carvajal e outros jogadores de Espanha e Alemanha disputam bola Getty Images


 

No Instagram @kfouriandre

Comentários

As purezas e falsidades de um centroavante

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

A Argentina, o medo e Messi

André Kfouri
André Kfouri

As cinco substituições - um exagero para um time que chegou ao Catar com 36 partidas de invencibilidade -  para o jogo contra o México indicavam o estado de nervos que dominava a seleção argentina, um indício de como os campeões sul-americanos dialogavam com o encontro mais tenso de uma geração inteira de jogadores do país. A final do Maracanã em 2014 foi uma noite de sonho e ilusão; o risco de ver a Copa do Mundo acabar na segunda rodada era a angústia de uma noite sem fim.

A alguém que queira saber o que é o mais absoluto medo aplicado ao futebol, basta assistir ao primeiro tempo da Argentina contra os mexicanos. Jogadores que evidentemente têm noção exata de quais são as virtudes coletivas de seu time se mostraram petrificados, presos a um nada futebolístico que fazia o tempo passar e olhava para o 0 x 0 sem saber direito o que aquilo significava. Em jogo, assim como na derrota para a Arábia Saudita, a Argentina era tudo menos uma equipe que praticava o que por lá se chama de la nuestra, ou seja, um jeito próprio de se expressar em campo.


         
     

Por sorte, o adversário com o qual os argentinos compartilhavam o gramado era um México sem ideias e sem soluções, que não sabia ao que jogava e nem mesmo parecia entender que o time de celeste e branco enfrentava, antes de qualquer outra coisa, os próprios fantasmas. Eles eram visíveis em campo e em cada um dos 88 mil rostos transfigurados do lado de fora. Metade do encontro se deu assim, envolvido pela névoa de aflição que o futebol reserva aos momentos em que o que há para perder é insuportável.

Até que Di Maria, este à altura da tarefa que se impunha, descobriu Messi andando na vizinhança da meia-lua. Um domínio e um chute rasteiro mais tarde, a Argentina finalmente pôde sentir o ar nos pulmões. No banco de reservas, Pablo Aimar, ídolo de Messi que hoje trabalha na comissão técnica da seleção nacional, levou as mãos ao rosto como quem não aguentava mais. A expressão de quem passou a vida em campo e, em tese, deveria estar habituado a essas provações emocionais, diz o suficiente sobre o valor de um gol que não poderia ter outro autor.

Enzo Fernández assinou um golaço para aliviar todas as almas e a Argentina sobrevive. Mais do que vencer a Polônia, porém, será necessário ser Argentina. A Argentina do jogo curto, da reunião de jogadores ao redor de Messi, das associações que geram espaços onde parecem invisíveis. O time que venceu o México teve pouco mais do que o pavor que paralisa e um gênio capaz de tudo.

Lionel Messi comemora com a torcida da Argentina após vitória sobre o México na Copa do Mundo
Lionel Messi comemora com a torcida da Argentina após vitória sobre o México na Copa do Mundo Getty Images

 

No Instagram @kfouriandre

Comentários

A Argentina, o medo e Messi

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

O futebol é das equipes, por isso o Brasil sofre sem Neymar

André Kfouri
André Kfouri

A perda de Neymar, a princípio pelo restante da fase de grupos, é muito preocupante para a seleção brasileira. Não há como maquiar a situação, mesmo em se tratando de um grupo de jogadores que oferece as melhores companhias para a figura principal do time, e, portanto, tem mais recursos para seguir sem ela. Porque não é uma questão de substituição individual. O futebol é um jogo de contextos coletivos, um jogo que, mais até do que aos jogadores, pertence às equipes. Rodrygo pode substituir Neymar? Pode. Paquetá pode? Sim. Ocorre que a lesão no tornozelo direito não tira apenas o jogador mais influente da seleção; encerra, ao menos - e tomara - temporariamente, as associações Neymar-Vinicius Júnior e Neymar-Paquetá, circuitos de movimentação ofensiva que marcam diferenças no time de Tite.

É preciso salientar que, em casos como estes - não esqueçamos de Danilo -, as informações divulgadas publicamente são mantidas no nível mínimo necessário. Primeiro, porque é preciso, de fato, esperar a evolução das lesões para se ter uma ideia de possibilidades. Depois, porque, durante uma Copa do Mundo, a comissão técnica da seleção brasileira tem que tratar das repercussões. Enquanto é perfeitamente possível que Neymar e Danilo retornem à ação nas oitavas de final, ou antes, o anúncio desta sexta-feira (25) pode ter sido uma aquisição de tempo. Um período de observação, espera e torcida antes de reavaliar a situação.

BRASIL 2 x 0 SÉRVIA: ASSISTA PELA ESPN NO STAR+ AO COMPACTO DO JOGO COM NARRAÇÃO DE NIVALDO PRIETO E COMENTÁRIOS DE GIAN ODDI

De qualquer modo, uma verdade se impõe: Tite deve esquecer de Neymar e Danilo por ora, por mais radical que pareça. A Copa passa rápido e, mais do que nunca, é necessário pensar jogo a jogo. E isso significa excluir os que não estão disponíveis, sob pena de não investir tempo e trabalho na equipe que não pode esperar pelos titulares machucados. Os cenários de substituição dos ausentes são diversos e devem ser examinados conforme as circunstâncias de adversários e, no caso da última rodada da fase de grupos, chances de classificação às oitavas de final. O elenco que representa o Brasil no Mundial oferece a Tite algumas variações, dependendo, primeiro, do modelo de equipe que ele pretende utilizar contra a Suíça, na segunda-feira (28).

É possível que Tite prefira não repetir a escalação da estreia, diante de um time que deve se defender profundamente em quase todo o tempo, limitando a utilidade de dois pontas, e usar a formação mais 'básica', com Fred e Casemiro no meio de campo. Neste caso, seriam três trocas: Vinicius por Fred, Neymar por Rodrygo e Danilo por um lateral-direito, a escolher entre Militão e Daniel Alves. O papel de Neymar ficaria a cargo de Paquetá, porque, para atacar como está habituado, o Brasil precisa de um  jogador por dentro, Rodrygo.

O problema é que, assim como Tite disse ontem que "há vários jogos dentro de um", ao mencionar a tomada de decisões durante uma partida, cada jogo também influencia os próximos em todos os aspectos que compõem o futebol. Após Vinicius Júnior estrear bem e se envolver nas jogadas dos dois gols brasileiros contra a Sérvia, já seria complexo tirá-lo do time mesmo que Neymar pudesse jogar. Na ausência de Neymar, um time sem Vinicius ficaria ainda mais carente do impacto individual capaz de momentos decisivos. Para manter o astro do Real Madrid, seria necessário reutilizar a formação do primeiro jogo, com duas trocas puras e simples: um lateral no lugar de Danilo e Rodrygo na posição/função de Neymar. Paquetá seguiria como segundo volante.

Os próximos dias serão tensos, especialmente se a lesão de Neymar não evoluir bem ou se essa evolução não for visível, no sentido literal. Como se sabe, os jogos contra Suíça e Camarões, este dia 2 de dezembro, são as preocupações imediatas, mas a Copa do Mundo começa depois.

Neymar na estreia do Brasil na Copa do Mundo do Qatar, contra a Sérvia
Neymar na estreia do Brasil na Copa do Mundo do Qatar, contra a Sérvia Gett Images

 

No Instagram @kfouriandre


Comentários

O futebol é das equipes, por isso o Brasil sofre sem Neymar

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

11 observações de Brasil 2 x 0 Sérvia na Copa do Mundo do Qatar

André Kfouri
André Kfouri

1 - A confirmação da escalação virgem, logo na estreia da Copa do Mundo, evidenciou a "ousadia" da qual tanta gente acreditava que Tite não seria capaz. É uma declaração que não pode passar despercebida;  "aqui estamos", com algo que o resto do mundo inveja: Neymar, Raphinha, Richarlison e Vinicius Júnior.

2 - Na Sérvia, a ausência de Vlahovic entre os titulares significou, de início, um problema a menos para o balanço competitivo que o Brasil deseja: controlar e ser incontrolável.

3 - Stojkovic, craque que hoje dirige o selecionado sérvio, perguntou na véspera "quem vai marcar?", ao falar sobre um Brasil com quatro atacantes. Uma das respostas ele já teve logo no início, observando Raphinha acompanhar Mladenovic até as profundezas do campo de defesa. No futebol de hoje, se não for assim, não funciona. Stojkovic obviamente sabe.

BRASIL 2 x 0 SÉRVIA: ASSISTA PELA ESPN NO STAR+ AO COMPACTO DO JOGO COM NARRAÇÃO DE NIVALDO PRIETO E COMENTÁRIOS DE GIAN ODDI

4 - Na marca dos 20 minutos, Brasil com a bola e discretamente ameaçador. Um grande passe de Casemiro, por dentro,  que Neymar dominou mal. Sérvia com certa rispidez e sem constrangimento para se encerrar em seu campo. Nada que não fosse esperado. O plano sérvio sempre foi absorver a pressão e roubar com espaço para atacar, preferencialmente, pelo alto.

5 - Uma bola por baixo de Thiago Silva para Vinicius Júnior, uma por cima de Casemiro para Raphinha (gerou um gol na última Data Fifa), e o Brasil começou a encontrar frestas na parede vermelha que protegia a área sérvia. No 1-2 de Paquetá e Raphinha, a chance de finalizar de perto se apresentou com o grito de gol engatilhado, mas o chute saiu fraco e fácil para o goleiro.

6 - Ao descanso, o 0 x 0 se explicava pelas poucas chances brasileiras. Sempre que a bola circulou rápido e com movimentações coordenadas, o espaço apareceu. O problema é que o volume precisa vir acompanhado de contundência. Mesmo assim, Vinicius Júnior e Raphinha, ponteiros que transformaram a seleção na reta final das eliminatórias, estiveram a um bom gesto técnico do primeiro gol.

7 - Um Brasil com mais desarme voltou do vestiário. Raphinha criou para si uma outra grande chance, mas falhou novamente diante do goleiro. De uma questão de espaços negados, o jogo passou a ser um caso de oportunidades perdidas pelo Brasil, uma série de "quase gols" que chegou ao ápice quando Alex Sandro, de longe, deixou uma marca na trave direita de Milinkovic-Savic. O empate já era uma bênção para os sérvios.

8 - Grande ação de Neymar, girando na frente da área para gerar pânico. Ao balançar para encontrar o chute, oferecer a bola para Vinicius Júnior não era bem a ideia, mas o rebote do goleiro pediu a Richarlison um gol que poucos jogadores merecem tanto quanto ele. 1 a 0 aos 17 minutos, condições ideais para trabalhar em vantagem e, quem sabe, lidar com um adversário um pouco mais propenso ao risco.

9 - Não foi necessário. Tite preparava Fred e Rodrygo quando Vinicius Júnior procurou Richarlison na área. A bola chegou forte e difícil para dominar, mas o 9 da seleção a converteu em uma das pérolas deste início de Copa: um toque para o alto e um voleio espetacular, para estufar a rede e encantar o mundo. Que tremendo gol.

10 - O chute de Casemiro no travessão seria um terceiro gol bonito e merecido, mas, àquela altura, a atenção estava no banco de reservas, onde Neymar recebia atendimento no tornozelo direito, com o rosto escondido pela camisa. Mau sinal, num segundo tempo em que a seleção construiu seu caminho para uma vitória que só deveria deixar boas sensações. 

e 11 - Estreia difícil, boa atuação e uma preocupação. Um Brasil seguro e capaz de ser explosivo, único vencedor possível no Estádio Lusail. Luzes em Richarlison, aplausos para o desempenho coletivo, apreensão por Neymar. 


Seleção brasileira postada antes de estrear na Copa do Mundo do Qatar, contra a Sérvia
Seleção brasileira postada antes de estrear na Copa do Mundo do Qatar, contra a Sérvia Chris Brunskill/Getty Images

 

No Instagram @kfouriandre

Comentários

11 observações de Brasil 2 x 0 Sérvia na Copa do Mundo do Qatar

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

O que a escalação da estreia nos conta sobre o Brasil e seu técnico

André Kfouri
André Kfouri

A escolha por uma escalação inédita para estrear na Copa do Mundo diz muito sobre a seleção brasileira e sobre seu treinador. Com relação ao time, o que é bastante evidente: o recado aos adversários de que terão de lidar com Neymar, Raphinha, Richarlison e Vinicius Junior simultaneamente; um pesadelo potencial capaz de atormentar todos os técnicos no Qatar, sem exceção. Quanto a Tite, a decisão revela um estágio profissional - e a ocasião propícia - em que, além do resultado, há o desejo de se debruçar sobre o "como".

Pode parecer uma redundância, uma vez que, ao escolher jogadores e modelos de atuação, todo técnico trata de como jogar. Mas Tite está em uma posição diferente: a fartura de opções no elenco da seleção lhe oferece o luxo de pensar em como vencer. Ninguém estranharia se o Brasil iniciasse o jogo contra a Sérvia com Fred e Casemiro responsáveis pela maior carga de trabalho defensivo no meio de campo e um atacante a menos - Vinicius, no caso -, uma formação plenamente capaz de vencer não só a estreia, como o torneio. Haveria, claro, as críticas de quem consegue enxergar o debate como uma competição entre Fred e Vinicius, um triste equívoco. O que está em questão não são as características individuais de dois jogadores completamente distintos, mas o comportamento coletivo do time com um e com outro. E neste aspecto, o equilíbrio que Tite sempre teve como mantra, e que é obrigatório a qualquer equipe com ambições, permanece como condição indiscutível.

Enquanto é verdade que esta escalação vai começar um Mundial sem ter sido testada em competição, é um engano pensar que Tite decidiu por ela sem ter visto o que gostaria em treinamento. Ao dizer que "os jogadores de ataque se escalaram", o técnico revela um componente decisivo do trabalho de montagem de equipes; quando os jogadores convencem seu treinador de que a ideia funciona. As observações neste período pré-Copa, somadas à injeção de juventude e dinamismo que os atacantes de lado de campo, em especial, deram à seleção desde a derrota para a Argentina na final da Copa América, representam a confiança de Tite na escalação que nunca usou.

Cuidado para não confundir a equipe desta quinta-feira com o time que venceu Gana, em setembro. Sim, Paquetá atuou como segundo volante naquele amistoso, mas os laterais (Militão e Alex Telles) eram diferentes e o comportamento da seleção, também. Com bola, a primeira linha "girou" no sentido horário, com Militão passando a ser zagueiro pela direita, e Telles se movendo por dentro, mais próximo aos meio-campistas. O que se pôde ver nos 3 x 0 sobre o time africano foi a capacidade de Paquetá de fazer o papel pedido por Tite, e o potencial da associação Vinicius-Neymar do lado esquerdo do ataque. A ascensão do jogador do Real Madrid ao pedigree de astro do futebol é benéfica a Neymar não apenas na divisão das atenções do público e da mídia, como também no compartilhamento das responsabilidades dentro do campo. Nas palavras de um componente da comissão técnica da seleção brasileira, "a chegada do Vinicius libertou o Neymar".

Tite compreende a sensação. Após um ciclo inteiro entre dois Mundiais, e confortável na pele de quem treina a única seleção que perde Copas - todas as demais jogam -, o técnico está à vontade para abraçar o potencial ofensivo de que dispõe e propor um futebol que se relaciona mais intimamente com o que nós, brasileiros, entendemos como nosso. O que a seleção deve apresentar a partir desta quinta-feira não deve ser analisado à luz do que seu treinador já fez, mas do que ele pretende fazer.

Tite durante treinamento da seleção brasileira
Tite durante treinamento da seleção brasileira Lucas Figueiredo/CBF



 

No Instagram @kfouriandre



Comentários

O que a escalação da estreia nos conta sobre o Brasil e seu técnico

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

Roger Federer, a beleza inatingível, e a saudade da perfeição

André Kfouri
André Kfouri

Durante treze anos, o universo da luta greco-romana foi impiedosamente dominado por um homem chamado Alexandr Karelin. O lutador apelidado de “Urso Russo”, vencedor de nove campeonatos mundiais e três medalhas olímpicas de ouro em sequência, permaneceu invicto entre 1987 e 2000, até ser derrotado, numa das maiores surpresas da história dos esportes, na final dos Jogos de Sydney (seria uma falha não mencionar o autor da façanha: o americano Rulon Gardner). Ungido como o maior nome da modalidade em todos os tempos, Karelin também era conhecido pela expressão “O Experimento”, como se fosse uma criatura super-humana, construída num laboratório para aterrorizar seus adversários. Uma outra interpretação, menos controversa, é a de que seus combates eram ocasiões de aprendizado para oponentes apresentados à impossibilidade de derrotá-lo.

De certo modo, a influência de Roger Federer, que anunciou sua retirada do tênis competitivo aos 41 anos, pode ser relacionada à forma como Karelin era enxergado, muito embora eles sejam completamente opostos em quase tudo. A forma como estabeleceram um nível particular de excelência para se distanciar dos concorrentes, mesmo considerando as diferenças entre modalidades irreconciliáveis, é semelhante no aspecto de que, por momentos, até os melhores, os mais capazes e os mais bem preparados tinham consciência de que não podiam sonhar em ser como eles. E no caso de Federer, ícone de um esporte em que não há contato físico, a aparente elegância sem esforço com a qual jogava - oferecendo a todos, mas especialmente a quem estava do outro lado da quadra, uma marca de tênis inatingível - também é um tipo de brutalidade.

É estranho escrever sobre Federer no passado. Ele jogará na Laver Cup na próxima semana. Prometeu, por escrito, jamais abandonar o tênis. Estará, de um jeito ou outro, na quadra em exibições futuras, em que as pessoas esgotarão ingressos em poucos minutos para ver o jogador fabuloso que foi um dia, uma oferta que certamente não decepcionará ninguém, mas infelizmente não se aproximará do Roger em ação, em competição, tratando o jogo como uma oportunidade para redefini-lo, e sendo tratado pelo jogo como a única pessoa autorizada a fazê-lo, numa conversa em que não havia outros participantes. Ao longo de sua trajetória, há inúmeros relatos de adversários varridos da quadra que, questionados sobre o que acabara de acontecer, revelaram a impressão de que Federer tinha produzido a perfeição em forma de tênis.

Há um componente estético obrigatório quando se fala sobre o tênis de Federer. Está relacionado, de maneira simplista, à sua versão pessoal do que um ser humano é capaz de fazer com seu corpo, uma raquete e uma bolinha. “Uma criatura cujo corpo é carne e, de alguma forma, luz”, escreveu o autor americano David Foster Wallace, em 2006, sobre a “beleza cinética” inescapável ao estilo do suíço, um dos motivos pelos quais ele era reverenciado até por quem não se interessava por esportes. Num jogo baseado em ângulos, Federer construía possibilidades matemáticas inviáveis, com movimentos criados e compreendidos apenas por seu cerebelo. Ele era um dançarino que se divertia ao confundir rivais com uma música desconhecida, um pintor cujos rabiscos na quadra contrária desenhavam padrões milimetricamente precisos. E fazia parecer que nada daquilo, por mais desafiador ou espantoso, requeria esforço. Em 2015, Brian Phillips escreveu sobre Federer no saudoso Grantland: “Ele simplesmente faz o tênis parecer fácil, o que significa que, no auge, ele virtualmente apaga a dimensão física do esporte”.

Provavelmente não há resposta errada quando se fala - e este é um debate que pode se intensificar agora, mas não terminará nunca - sobre o melhor tenista da história. Federer é o ser que flutua sobre um caminho de flores até o aperto de mãos, Djokovic é a manifestação viva do destino, Nadal personifica o amor e o sacrifício. A pura contagem de troféus não aceita a beleza ou as sensações, mesmo porque pode ser feita também por quem não viu, não gosta, não se emociona. Quanto ao maior de todos os tempos, amigos, o caso a favor de Roger Federer não precisa mais de argumentos. Se ainda havia qualquer dúvida, o anúncio de sua aposentadoria fez com que o próprio jogo de tênis encerrasse a questão.

Roger Federer Comemora Vitoria Laver Cup 23/09/2017
Roger Federer Comemora Vitoria Laver Cup 23/09/2017 EFE/EPA/MARTIN DIVISEK


 

No Instagram @kfouriandre


Comentários

Roger Federer, a beleza inatingível, e a saudade da perfeição

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

Como nasceu o losango que fez o Flamengo decolar

André Kfouri
André Kfouri

Quando recebeu o convite para recuperar a temporada do Flamengo e se debruçou sobre as possibilidades de utilização de um dos melhores elencos do futebol sul-americano, Dorival Junior tinha a intenção de construir o time com variações do 4-3-3, sistema no qual baseou seus trabalhos anteriores, no Athletico Paranaense e no Ceará. A ideia era jogar e marcar com este desenho preferido, desde que a proposta tivesse a adesão - em postura, mas, sobretudo, em prática - do grupo de jogadores e se provasse, no campo, o plano que extraísse o melhor desempenho de uma equipe carente em confiança após a experiência com a comissão técnica do português Paulo Sousa.

As primeiras formações, porém, revelaram alguma distância em relação ao que o novo treinador pretendia, como se fossem estágios iniciais em que era necessário aliar a urgência por resultados e a observação do funcionamento coletivo, posteriormente conciliando perdas e ganhos em cada aspecto. Dorival partiu de uma estrutura com um volante, dois meias entre as linhas do rival, dois pontas abertos e um atacante centralizado, num planejamento de ataque posicional que não gerou a fluidez desejada. No jogo contra o América-MG, prévio ao início do confronto de máxima importância com o Tolima, pela Copa Libertadores, os primeiros passos para o sistema que faria o Flamengo decolar foram dados, sem muito alarde: um 4-3-1-2 com De Arrascaeta por dentro, antes de Pedro e Gabriel Barbosa funcionando como uma dupla.

A vitória por 3 x 0 rendeu tranquilidade e confiança, além de confirmar a maior influência do uruguaio quando próximo dos atacantes, claro exemplo de potencialização máxima de um futebolista superior. Àquela altura, as conversas em grupo no CT do Urubu - e, em diversos casos, encontros individuais com os vários jogadores com os quais a equipe de Dorival tem relacionamento antigo - já tinham assegurado o compromisso dos atletas com a plataforma de jogo que levaria à explosão ofensiva da partida de volta contra o Tolima, quando o Flamengo se apresentou num 4-1-2-1-2 (considerando a altura de cada linha, de maneira ilustrativa) e fez 7 gols no Maracanã.


         
     

O meio de campo em formato de losango permite que Everton Ribeiro atue confortavelmente como meia pelo lado direito e promove a constante movimentação que confunde a defesa oponente, já preocupada em conter Pedro e Gabriel, parceria que depende da disciplina na ocupação de espaços para que ambos joguem para si e para o outro. Gabriel, também um excelente passador, já notou como essa coordenação pode alimentar suas virtudes goleadoras e fazer do Flamengo um time ainda mais perigoso. O relacionamento de confiança com a comissão técnica, desde os tempos de Santos, tem se mostrado crucial para esses ajustes.

O que acelerou o processo, acima de tudo, foi a qualidade técnica dos jogadores envolvidos e uma capacidade cognitiva acima do normal. Tanto que a dinâmica do trabalho de utilização de vídeos ganhou uma camada adicional na confecção de movimentos ofensivos. Tentando simplificar, com um exemplo corriqueiro: em treinamento, quando a bola chega a um jogador aberto por um dos lados (seja o lateral ou o atacante que joga por ali), é necessário que um companheiro se projete no espaço e ataque a linha defensiva adversária. A comissão técnica não determina qual é esse jogador, deixando a tomada de decisão para os atletas. Não é um comportamento rígido, mas uma tarefa que deve ser executada. Quando esses movimentos são realizados em competição, o vídeo registra a maneira como os jogadores resolveram situações, o que retorna ao treinamento como padrões criados sem que os futebolistas percebessem.

A próxima etapa é a inclusão de Everton Cebolinha - e, mais tarde, de Arturo Vidal - neste cenário de organização ofensiva. O Flamengo trabalha tanto com a possibilidade de substituição de um jogador no losango quanto com a ideia de um retorno, conforme as circunstâncias de jogo e adversário, ao desenho com dois pontas abertos e um centroavante. Propostas, ou respostas, à exigência permanente do futebol. Ao contrário do que se pode pensar, Cebolinha não é um “intruso” numa festa em que todos estão se divertindo, mas mais um convidado para se juntar à animação.

Torcida do Flamengo no Maracanã
Torcida do Flamengo no Maracanã Chris Brunskill/Getty Images

 

No Instagram @kfouriandre

Comentários

Como nasceu o losango que fez o Flamengo decolar

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

O Palmeiras é algo raro no futebol sul-americano: um time reconhecível independentemente da escalação

André Kfouri
André Kfouri

Durante a comemoração do primeiro gol de Rony, na noite de quinta-feira, é bem possível que algum membro da comissão técnica do Palmeiras tenha sacado um caderninho de notas e escrito o nome do mais novo integrante de uma lista em franca expansão: Botafogo. O time carioca foi a vítima mais recente de um movimento ofensivo que já encaminhou um troféu da Copa Libertadores e tem ludibriado defesas Brasil afora; a bola sai dos pés do zagueiro que atua do lado direito em direção a um atacante colado à linha lateral, que espera a passagem de um jogador por dentro, que vai ao fundo e faz o passe para trás. Por vezes, a conclusão parte da risca da grande área, ou da região da marca do pênalti, ou um pouco mais à frente. Há ocasiões, como em Montevidéu, em que a marcação precisa ser arrastada para o centro e liberar o espaço, e a bola vai direto da defesa ao ataque. Contra o Botafogo, nem foi necessário. Scarpa passou desmarcado e só precisou dar sequência a uma jogada que é a mesma sempre. O resultado também.

O segundo gol de Rony, de cabeça após escanteio, é outro desenho frequente. Um gol que o Corinthians já levou três vezes neste ano, duas no mesmo jogo. Sempre do lado direito, com a bola encontrando alguém na primeira trave. Pode ser na quina da pequena área ou mais adiante. No caso de ontem, Murilo vinha atrás de Rony para garantir que a cobrança de Scarpa seria uma assistência. A defesa do Botafogo não marcou nenhum deles. Houve mais dois gols, um que Scarpa resolveu dentro da área, com pouco ângulo para finalizar, e um diamante de Wesley, desses para quem viu in loco contar aos filhos. A noite será lembrada pela maioria pelo golaço que encerrou os 4 x 0. Abel Ferreira e os observadores atentos, porém, guardarão as duas assinaturas do time mais competitivo e confiável do futebol no país. O melhor, hoje, entre os três considerados favoritos a tudo.

Ninguém treina uma equipe para fazer um gol como o de Wesley. Esses momentos são o bônus que um técnico recebe por ter jogadores qualificados, ou, melhor ainda, por desenvolvê-los. A reivindicação do trabalho de um treinador é enxergar, em competição, os comportamentos ensaiados quando ninguém está olhando. Quando esses padrões não só são repetidos como se tornam o motivo pelo qual um time é superior aos outros, diz-se que tal time tem uma identidade, sabe a que joga, é reconhecível. E quando esse reconhecimento fica evidente independentemente das escalações, o que se tem é algo que o jogo nesta parte do mundo raramente vê: uma equipe de autor, uma obra pronta. O gol que inaugurou o placar na decisão da última Libertadores foi executado por Gustavo Gómez, Mayke e Raphael Veiga. Dudu, que puxou Filipe Luís para o lateral passar, era o único que estava em campo contra o Botafogo.

Abel Ferreira cita Klopp, Mourinho e Guardiola, e alfineta dirigentes sobre frequentes trocas de treinador no Brasil: 'Não entendem'


O futebol sul-americano costuma ceifar trabalhos antes que tenham qualquer possibilidade de se aproximar do estágio em que o Palmeiras se encontra. E mesmo aqueles que são capazes de erguer o pescoço acima da superfície por mais tempo normalmente não recebem a oportunidade de aprimorar as próprias ideias. Após uma visita ao Morumbi, no campeonato estadual, em que o Palmeiras fez um gol cedo e logo se retraiu para jogar no espaço, Abel foi questionado a respeito dos motivos que o levaram a suspender a pressão inicial que resultou na vantagem. Mais tarde, no mesmo torneio, o Corinthians esteve no Allianz Parque e foi controlado, com posse, por um time que passou longos trechos do encontro fazendo a bola circular no campo de ataque.

Enquanto o processo de montagem de equipes continua sendo ignorado ou desrespeitado por uma classe dirigente amadora e submissa ao combo arquibancada/redes antissociais/jornalistas organizados, Abel Ferreira ergueu um time que poderia ser identificado se os jogadores fossem apenas pontos móveis numa tela de computador. Os títulos têm óbvia importância e devem ser motivo de orgulho, mas provavelmente são a razão pela qual Abel ainda está aqui, desafiando a linha de produção de “fatos novos” e multas rescisórias.

Abel Ferreira comemora a conquista da Recopa Sul-Americana pelo Palmeiras
Abel Ferreira comemora a conquista da Recopa Sul-Americana pelo Palmeiras Cesar Greco/Palmeiras


 

No Instagram @kfouriandre

Comentários

O Palmeiras é algo raro no futebol sul-americano: um time reconhecível independentemente da escalação

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

O troféu de Roland Garros deveria passar a se chamar Rafael Nadal

André Kfouri
André Kfouri

O Jardim dos Mosqueteiros, ponto de convivência em Roland Garros vizinho ao estádio onde fica a quadra Philippe Chatrier, é uma homenagem aos heróis que conquistaram a Copa Davis em seis anos seguidos, entre 1927 e 1932. A vitória de Jean Borotra, Jacques Brugnon, Henri Cochet e René Lacoste contra os Estados Unidos, no ano que iniciou a sequência, foi o motivo da construção do local que simboliza o tênis francês. Ali, numa área gramada ampliada nos anos recentes, estão as estátuas dos “quatro mosqueteiros” que batizam o troféu entregue ao campeão do Grand Slam parisiense. Desde 2021, está também a estátua de Rafael Nadal.

Borotra, Brugnon, Cochet e Lacoste têm, juntos, 10 troféus na chave de simples. Entre eles, o mosqueteiro que mais vezes disputou o torneio é Cochet, campeão em cinco de oito campanhas na era amadora. Bjorn Borg, cujo reinado de seis títulos - quatro consecutivos, de 1978 a 81 - marcou uma época em que ninguém o tocava no saibro de Paris, competiu em Roland Garros por oito anos. Gustavo Kuerten, o tricampeão que anda sobre um caminho de pétalas de rosas a cada vez que passa pelo portão do clube, tem onze participações no Aberto da França. Após a vitória deste domingo, a distância entre as conquistas de Rafael Nadal em Roland Garros e o número de aparições de nomes de histórica relevância no torneio dá a medida da magnitude de um domínio incompreensível.

Como se sabe, e já há algum tempo, a trajetória de Nadal em seu torneio favorito pode ser descrita pelos anos em que ele não foi campeão: 4 em 18. Seria o estabelecimento de um nível anormal de supremacia em qualquer torneio de elite. Em se tratando do evento tenístico mais difícil de vencer, em que as demandas físicas e mentais com frequência suplantam o aspecto técnico, os quatorze títulos do espanhol em Paris constituem uma façanha que pertence ao debate a respeito dos mais impressionantes feitos esportivos jamais alcançados. Para contexto, convém lembrar que Pete Sampras, um dos maiores tenistas dos todos os tempos sem absolutamente nenhum favor, tem 14 troféus de Grand Slam na carreira.

Acima de tudo, é uma história de amor. São diversos os exemplos notáveis na relação com o esporte que escolheu como profissão que Nadal tem oferecido ao longo de sua vida. Nos últimos anos, já além da idade que por muito tempo significou o fim da linha para tenistas, o que espanta é sua obstinação para seguir concordando com as exigências e aceitando as concessões pessoais necessárias para ser ele mesmo. O corpo não suporta mais, o tempo lhe traz adversários que o têm como ídolo, a sala de troféus particular e a fortuna amealhada o aconselham a se retirar sorrindo. E aí está Nadal, obcecado pela décima-quarta taça como se tivesse perdido todas as outras, apaixonado pela única superfície que só pertence ao tênis, a ponto de, ao se recusar a abandoná-la, sustentar-se como o maior vencedor de torneios do Grand Slam.

Após a conquista do décimo título, Nadal foi presenteado com uma réplica da Copa dos Mosqueteiros do mesmo tamanho da original, com a inscrição “La Décima” na base. Agora, há quem entenda que a Federação Francesa de Tênis deveria renomear a quadra Philippe Chatrier para homenageá-lo. É perfeitamente apropriado, mas não suficiente. Se fosse possível consultá-los, Borotra, Brugnon, Cochet e Lacoste certamente aplaudiriam a mudança do nome do troféu de Roland Garros para troféu Rafael Nadal. Em vida, para que o maior mosqueteiro de todos saboreie a distinção que sua história inacreditável merece.

Rafael Nadal comemora o título
Rafael Nadal comemora o título Getty



 

No Instagram @kfouriandre


Comentários

O troféu de Roland Garros deveria passar a se chamar Rafael Nadal

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

Paris reuniu Rafael Nadal e o Real Madrid, déspotas em seus torneios prediletos

André Kfouri
André Kfouri

Na véspera da final da Liga dos Campeões, perguntaram a Rafael Nadal o que era mais fácil: ele ganhar Roland Garros ou o Real Madrid conquistar o principal troféu do futebol europeu (a contagem de cada um, numa coincidência que deve significar algo mais, era de 13 taças no dia da entrevista). O rei de Roland Garros respondeu, sorrindo, que a missão do Real Madrid - clube para o qual torce - era mais simples porque lhe faltava apenas um jogo. Horas mais tarde, com a presença de Nadal no Stade de France, o gigante branco venceu o Liverpool e gravou seu nome uma vez mais na desejada prataria, dobrando a quantidade de títulos do segundo clube mais vitorioso no torneio, o Milan.

A campanha do Real Madrid nesta edição da Champions ilustra à perfeição o que se pode chamar de título inevitável. Cada virada - PSG, Chelsea e Manchester City ficaram pelo caminho, em confrontos nos quais o Madrid se levantou de um cemitério distante e deu a volta em placares impossíveis em circunstâncias normais - acrescentou contos à lenda do “senhor da Europa”, injetando no time e na torcida doses incalculáveis não de confiança, mas de absoluta convicção de que nada nem ninguém seria capaz de impedi-los de alcançar “la decimocuarta”. E assim se deu, diante de um adversário superior em jogo, mas não neste jogo. O gol de Vinícius Júnior, ápice de um trecho da decisão em que o Liverpool se sentiu frustrado a ponto de recebê-lo com resignação, foi a única finalização certa do time espanhol na noite. Só os céticos mais perseverantes seriam capazes de reler a história escrita desde as oitavas de final e imaginar que o epílogo seria diferente.

No caminho para mais uma coroa, o Real Madrid mostrou como a obstinação e a experiência podem moldar situações em campo que parecem definitivas. Treinadores de diversas modalidades costumam mencionar a habilidade de compartimentalizar instantes como a fronteira que separa os esportistas geniais dos demais. Companheiros de Michael Jordan, por exemplo, dizem que um de seus principais atributos era a capacidade de “permanecer no momento” sempre que o time precisava de sua presença sobrenatural e tranquilizadora, ou seja, bloquear qualquer tipo de distração que o atrapalhasse na execução da tarefa mais urgente.

O Madrid novamente campeão europeu é Marty Byrde (entendedores entenderão). Ou o sujeito que, a caminho do aeroporto com a família, percebe que os passaportes ficaram em casa. Entre comentários nervosos de que não há tempo para voltar e que perder o avião acarretará em cancelamento de diárias de hotel, e que as crianças ficarão incrivelmente chateadas, e que as férias programadas com tanta expectativa se perderão por um lapso, e que não será possível remarcar passagens ou recuperar o dinheiro... ele para o carro, pede que a mulher leve os filhos ao aeroporto e convence o motoqueiro que passava sozinho a levá-lo em casa para buscar os documentos. As consequências de um atraso não consumado não existem enquanto houver tempo, a prioridade é o que precisa ser feito para entrar no avião. O mesmo vale para um gol - ou mais - sofrido a poucos minutos do final de um jogo eliminatório.

Também vale para Rafael Nadal em Roland Garros, território em que a ideia de derrotá-lo se assemelha a um devaneio adolescente. No domingo, o canadense Felix Auger-Aliassime conseguiu o feito de levar Nadal ao quinto set, algo que só dois tenistas (Isner, 2011; Djokovic, 2013) fizeram ao longo de 17 anos em Paris. Sacando com 3-4, Aliassime teve seu serviço quebrado para espanto de exatamente nenhuma alma que jamais esteve ali. Nadal venceu e melhorou seus números para inconcebíveis 109 vitórias e três derrotas no Grand Slam francês. Um encontro com Djokovic, um dos dois únicos oponentes a vencê-lo ali (o outro é Soderling), está marcado para esta terça-feira e é obviamente uma ameaça à dinastia de Nadal em seu torneio predileto. Não por coincidência, trata-se de um jogo que guarda muita semelhança com Real Madrid x Liverpool: é preciso considerar a possibilidade de uma instantânea disparidade a favor do sérvio, em condições físicas superiores, rumo a um desfecho com contornos do apagar de uma era. Por outro lado, cada longa troca de bolas numa dança equilibrada e sem hora para terminar pode conduzir ao mesmo tipo de frustração, e resignação, que o Liverpool experimentou em Saint-Denis.

Um dos heróis do título, Vinicius Junior comemora a conquista da Champions League pelo Real Madrid
Um dos heróis do título, Vinicius Junior comemora a conquista da Champions League pelo Real Madrid Getty Images



 
No Instagram @kfouriandre

Comentários

Paris reuniu Rafael Nadal e o Real Madrid, déspotas em seus torneios prediletos

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.

mais postsLoading