A estranha intenção de Bruno Lage, com o Botafogo tão bem posicionado, de falar apenas por si
Se Bruno Lage disse a verdade quando declarou que “não falei com ninguém” antes de se voluntariar para deixar o Botafogo, conclui-se que a entrevista mais psicodélica da temporada do futebol no Brasil foi uma ideia dele, e de mais ninguém. É preocupante, porém lógico; qualquer pessoa de bom senso o teria convencido a escolher outro tema e, assim, evitar que o ambiente do time que dirige fosse colhido por uma ventania de desconfiança. A parte que preocupa está relacionada aos motivos pelos quais Lage tratou o pós-jogo com o Flamengo de forma tão negligente, sejam eles de natureza estritamente pessoal (mais sobre isso adiante) ou problemas internos que soariam muito surpreendentes, dada a trajetória do líder do Campeonato Brasileiro após 22 rodadas.
A alegação de “libertar os jogadores dessa pressão” é, francamente, estranha. A eliminação para o Defensa y Justicia, na Copa Sul-Americana, foi tratada por uma parte mais vocal da torcida com o tipo de recepção no aeroporto normalmente oferecido a equipes que vencem. E a derrota no clássico, a primeira sofrida pelo Botafogo em seu estádio no campeonato, teve, ao final, aplausos aos jogadores. Em outro trecho de sua fala, Lage mencionou a intenção de impedir que “a pressão que está sendo exercida sobre mim seja exercida sobre meus jogadores”, o que, apesar de contraditório, revela mais detalhes sobre o que estaria causando tanto incômodo. Convém lembrar que foi ele, Lage, quem ouviu críticas a respeito da escalação usada na ida contra os argentinos. E que sua entrevista após o jogo de volta, com a desclassificação consumada, foi caracterizada por reações agressivas a perguntas mundanas que não condizem - as reações, não as perguntas - com o momento do Botafogo.
Ficou no ar, na semana passada e, novamente, no sábado à noite, uma aparente dose de prepotência que pode explicar o arroubo ao melhor estilo “assim não quero mais brincar” do técnico português, arredio aos primeiros sinais negativos e - de novo, aparentemente - mais preocupado com si mesmo do que com a condução do Botafogo a um troféu de valor incalculável. Lage dirigiu na Premier League e é, graças a seu trabalho, um treinador valorizado e promissor. Estar no comando do Botafogo neste ano, com esta campanha e com esta perspectiva histórica, é uma posição que ele poderia tratar com mais liturgia e até mesmo com mais ambição, ao invés de demonstrar um limiar tão baixo de resistência a críticas e apego à oportunidade que se apresenta.
Lage não pode argumentar com surpresa em relação ao nível de exigência, razoável ou não, que encontrou no futebol brasileiro. Mesmo porque a forma como o Botafogo atual, administrado como SAF e com dono americano, trata o cargo de técnico do time lhe oferece muito mais do que a média dos colegas, deixados para trás na classificação por uma vantagem massiva na corrida pelo título. Não é possível garantir, com tantos pontos ainda em jogo, que o Botafogo será campeão brasileiro pela primeira vez desde 1995, mas se pode afirmar que, se não for, a razão terá sido um colapso de proporções colossais. É precisamente para evitar este drama, objetivo que não pede ao Botafogo um desempenho tão bom quanto o que exibiu até agora, que Lage foi trazido para substituir o compatriota Luís Castro.
A única explicação plausível para a breve e problemática entrevista de sábado à noite é uma dessas sacadas ao contrário que, vez por outra, entram para listas infames: uma cartada de um treinador para que se falasse mais dele do que de seu time, e, assim, conseguir alguns dias de proteção aos jogadores. Só que os jogadores do Botafogo não precisam de proteção, mas de confiança e tranquilidade. É uma pena que Lage não tenha conversado com ninguém antes de ir à sala de entrevistas do Nílton Santos. A não ser que sua intenção fosse apenas falar por si.
A estranha intenção de Bruno Lage, com o Botafogo tão bem posicionado, de falar apenas por si
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