Vozes do abuso sexual: os dias que o esporte não pode esquecer
Não foi em uma competição, não teve quebra de recorde ou algum feito esportivo histórico realizado por um atleta extraordinário, mas teve tanta força, coragem e bravura que os dias que se sucedem na corte do estado de Michigan nos Estados Unidos são para que o esporte jamais os esqueça.
Se dizem que o choro é para aliviar o que sufoca a alma, é exatamente assim que tem sido cada relato de mulheres/meninas vítimas de Larry Nassar, ex-médico da seleção de ginástica artística dos EUA. Em meio às lágrimas pelas dolorosas lembranças, diante do seu maior pesadelo, dezenas delas estão depondo no julgamento pelos abusos sexuais que sofreram. Ele, já condenado a 60 anos de prisão por pornografia infantil em outro caso (milhares de imagens foram encontradas com o norte-americano), agora pode ter uma complementação da pena nesse novo julgamento, e, como declarou a própria juíza do tribunal, Rosemarie Aquilina, “passar o resto da vida na prisão”.
Juntou-se ainda a essa luta por justiça e reparação, no início da semana, a
menina que encantou o planeta nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro-2016, a medalhista
Simone Biles, outra vítima a quebrar o silêncio e relatar os horrores vividos. Biles usou as redes sociais para compartilhar seu sofrimento.
No dia seguinte, quando teve início o julgamento, os relatos expostos na corte foram tão repugnantes e tão agressivos que é inconcebível pensar que tudo pode ter acontecido diante dos “olhos” da Federação de Ginástica dos Estados Unidos, da Universidade de Michigan e do próprio COI (Comitê Olímpico Internacional). Como tudo isso aconteceu? É a insistente pergunta a ser feita. As três entidades, por meio de seus representantes, saíram em suas defesas e em apoio as vítimas, mas ainda terão que explicar muitos pontos, entre eles a acusação de compra do silêncio da medalhista olímpica McKayla Maroney por parte da Federação, num acordo de mais de um milhão de dólares.
Esse assunto, manchete nos principais jornais dos Estados Unidos, ganha espaço também na mídia internacional, e nos faz refletir sobre quantas outras vítimas foram/são abusadas por “monstros” e nunca denunciaram os abusos sofridos. Medo, vergonha, trauma, confusão emocional, pressão, falta de apoio... são tantas as razões. Não apenas na ginástica, mas em outras modalidades ou fora do esporte, em todas as situações em que meninas e meninos ficam expostos/sujeitos a abusos. É triste e é muito sério!
O abuso sexual, como sabemos, é um problema global, não limitado por classe social, sexo, raça ou cultura. No Brasil, conforme o Ministério da Saúde, é considerado o segundo crime mais denunciado na faixa de 0-9 anos, a mesma das vítimas quando começaram os crimes de Nassar. Além dos abusos cometidos por pessoas próximas, que convivem em determinados momentos com as crianças, dados do País mostram que os pais são 23% dos abusadores, além de 34% serem os padrastos das vítimas. É a violência diária, dentro de casa, o local em que acontecem 80% dos casos.
Dói, traumatiza vítimas, machuca nossa alma, nos envergonha, nos faz questionar que seres humanos são esses e há muito ainda o que se discutir e evoluir na temática. No campo judicial, o avanço mais recente (em 2012) foi a sanção da lei que diz que o tempo de prescrição do crime de abuso sexual conta a partir dos 18 anos da vítima. Ela também determina que os crimes como estupro terão um prazo de até 20 anos a partir da maioridade para que se denuncie o agressor. A lei recebeu o nome da nadadora Joanna Maranhão, vítima de abuso de um treinador quando criança.
Nas últimas décadas, a criação de varas especializadas em infância e juventude também colaboraram, mas ainda existem deficiências no atendimento especializado às vítimas, na tramitação do processo e no próprio julgamento, uma parte do emaranhado que é o sistema da Justiça brasileira com seus casos sem solução e de impunidade. Só que apesar de todo esse cenário, o primeiro passo, o da denúncia, necessita ser dado.
“Agora, você deve ter entendido que meninas não permanecem ‘pequenas’ para sempre, elas crescem e se transformam em mulheres fortes para destruir o seu mundo”. Essas palavras de uma das vítimas de Nassar servem como recado para o mundo: de que a fragilidade de uma garota (ou garoto) pode e deve ser convertida na bravura de quem sobrevive a um abuso. Encarando o fantasma que a assombrou por doloridos anos, Kyle Stephens divide diante dos presentes, da mídia e de centenas de milhares de pessoas que assistiram às suas declarações na Internet e na TV, aquilo que não deve ser silenciado. Que o esporte também não esqueça!
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